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segunda-feira, 17 de agosto de 2020



A CAÇADORA DE BALEIAS


Quando há quase 50 anos conheci o Funchal o que achei de mais curioso foi a "tropicalização" da arquitectura tradicional portuguesa, tropicalização essa de que depois vim a conhecer uma 2ª versão, essa já no no Brasil, onde ela ainda hoje está presente um pouco por todas as cidades mais antigas, mas sobretudo em Paraty e nas cidades mineiras do Ciclo do Ouro.
Muitos anos mais tarde, quando conheci Angra do Heroísmo o choque foi ainda mais forte, Angra é Ouro Preto, ou talvez melhor, Ouro Preto é Angra.
Angra é mais antiga, maior e melhor conservada, e ao contrario da continentalidade de Ouro Preto, ela estende-se monte abaixo numa baía de mar aberto, voltada para o Atlântico Sul.
Foi nessa baía de Angra que então conheci a tal "Caçadora de baleias", como eu costumava chamar-lhe. Embora ela negasse qualquer ligação aos antigos caçadores, e dissesse chamar-se Amélia, eu gostava de a imaginar como descendente de uma ilustre linhagem de baleeiros, pelo que para mim ficou para sempre a Caçadora de baleias. Inicialmente, a dita caçadora interessou-me sobretudo como um fenómeno de tropicalização diferente, desta vez não da arquitectura mas da mulher portuguesa.
Na verdade a minha caçadora era claramente uma minhota tropicalizada, daquelas que só é possível encontrar em Minas Gerais, porque no resto do Brasil as misturas são já muito diversificadas,
Sem o lado estrionico de uma Carmen Miranda, um fenómeno único e extraordinário de tropiclização acelerada, a minha Caçadora de baleias era também um fenómeno claro de, pelo menos, alguma sub-tropicalização, que eu nunca notara nas Madeirenses, talvez porque em tempos anteriores, a falta de liberdade dos costumes ainda o escondesse.
Era mais alta e magra que a minhota "média", tinha uma desenvoltura física, uma leveza e uma informalidade, que eu rapidamente atribuí à dita tropicalização e foi assim que comecei a ficar fascinado por ela.
O dia seguinte a conhecê-la, foi o dia da saída para o mar, foi então que vi a incansável concentração com que ela a todo o tempo perscrutava o mar à procura de sinais que lhe permitissem identificar a zona com maior probabilidade de encontrar uma baleia, um cachalote, uma orca, ou até apenas, alguns golfinhos para entreter os turistas.
Ao vê-la olhar o mar de forma tão fixa, procurando sinais naquela ondulação onde nós nada víamos, o meu amor por ela foi crescendo, de tal forma que quando voltámos para terra, eu estava já completamente apaixonado.
Tenho que confessar aqui que o meu amor era em parte interesseiro, se ela tinha uma tal capacidade de concentração para olhar aquele mar, poderia certamente ser-me extremamente útil para olhar as ondas dos gráficos do mercados financeiros, poupando-me assim a essa monótona e fastidiosa tarefa.
Foi por isso que convenci a caçadora de baleias a jantar comigo para lhe explicar o potencial da ganho da actividade que lhe propunha, essa tarefa foi bem mais difícil do que eu supusera, a aventura das gráficos parecia não a inspirar, mesmo assim, as nossas negociações foram alargando o âmbito, pelo que, todos os dias, desde que o barco atracava até à manhã do dia seguinte, quando ele partia, as nossas negociações foram-se tornando cada vez mais intimas, embora não muito mais produtivas.
Tudo o que consegui foi o compromisso de que em Outubro daquele ano ela iria ter comigo a Cascais, onde por um mês ela tentaria compreender o que eu de facto pretendia.
Assim foi, passados dois meses, sem qualquer hesitação ou artificio, ela chegou ao aeroporto de Lisboa, onde a fui buscar.
Eu continuava apaixonado e ela ia-se adaptando a ficar horas seguidas a olhar ecrãs com gráficos e até parecia talhada para o trabalho, mas conforme o tempo ia passando, embora estivesse cada vez mais segura das suas tarefas, parecia crescentemente melancólica.
Não sei se era a troca das ondas do mar pelas dos gráficos que que não resultava, se a falta do balancear do mar, ou apenas a falta da ilusão do grande horizonte, fosse o que fosse, o nosso amor parecia afundar-se nas ondas dos meus gráficos.
Ainda fizemos uns dias de ferias sem gráficos, mas o encanto já se quebrara. Ela voltou para Angra e para o seu mar, eu fiquei de a visitar logo que tivesse oportunidade.
Voltei a Angra uns meses depois, ao principio tudo parecia perfeito de novo, mas a certa altura tornava-se necessário tomar decisões, fazer escolhas, tudo demasiado difícil e complicado. As mulheres mais novas têm destas coisas, e mais uma vez não deu.
Da última vez que nos encontrámos, cerca de um ano depois, apenas nos abraçámos, num longo e terno abraço (julgo eu), enquanto lhe beijava o pescoço, disse-lhe apenas "tás cada vez mais bonita" e ela simpaticamente devolveu "e tu cada vez mais burro" (na verdade ela disse burre, mas como meu vasto conhecimento da pronuncia local, eu compreendi que ela me achava um asno).
A tropicalização tem destas coisas.
Agora, quando voltei a Angra, já não a procurei, o mais natural é que com o passar dos anos e o consumo de batata doce, a minha Caçadora de baleias seja nestes tempos apenas mais uma matrona angrense, já des-tropicalizada, pelo que, na salvaguarda da minha melancólica e eterna paixão, achei melhor assim.
PS - o mar de Angra e o calor húmido, têm em mim um certo efeito psicadélico, o tempo, o real, o espaço, o imaginário, misturam-se de forma estranha, na verdade já não sei bem se, quando, onde ou como.



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