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domingo, 1 de maio de 2011

CARTA DE AMOR

(Dado que na política, na economia e até nos mercados, a idiotice parece instalada, prefiro as cartas de amor - exercício de prosa poética)

Já não sou capaz de explicar nada do que se passa com a minha vida, ou pelo menos quase nada. Mas sobre como o mundo funciona, ao contrario, eu sei quase tudo. Na verdade sou um cosmólogo, as grandes abstracções sobre os desígnios do universo são facilmente inteligíveis para mim.

Conheço já todos os seus truques, as múltiplas formas através das quais ele nos leva a fazer as coisas erradas, para apenas depois, com um sorriso vago e subtil, nos deixar cair num estado de quase consciência, sentirmos algum mal-estar, e finalmente a pesada sensação de que o caminho não seria de facto por alí. Para então de novo partirmos, esforçada e corajosamente em sentido oposto, indo de surpresa em surpresa até ao inevitável fim, que apesar de conhecermos desde o inicio, de tão esperado tratamos também como nova surpresa.

Nesssas coisas ele já não me engana, conheço-lhe todos os truques, manhas, artifícios e subtilezas. Sei de todas as guerras dos homens, sei muito antes quando vão começar, sei até, ao mesmo tempo, quando e como vão acabar. Aí já nunca me engano. As coisas até já perderam a graça de tão evidentes. Afinal o Universo é apenas uma máquina como qualquer outra, e portanto entediantemente óbvia, quando se conhece mais intimamente.

Só a ti é que eu não percebo, escapas a todas as lógicas, tudo quanto espero sai ao contrario, acho que o Universo se enganou em qualquer coisa quanto deixou que te fizessem, porque defeito de fabrico não será, os deuses não deixariam, deve ser apenas algum pequeno desajustamento, mas que desencadeia efeitos em cadeia de dimensão perigosa, pelo menos para mim, para mim o grande cosmólogo.

E no entanto, o Universo parece não se preocupar, ele que pretende levar tudo a sério, qualquer pequena guerra com uns milhões de mortos, qualquer exercício de vaidade colectiva apenas um pouco mais notório, ou até um simples acontecimento desportivo desses com um pouco mais de público. Mas contigo, e o teu comportamento absurdo, desconcertante, com isso não, com isso ele em nada se preocupa, mesmo quando lhe chamo a atenção para a imprudência do que tu fazes, para os riscos para a humanidade, e ao fim e ao cabo para ele próprio, nada…, parece nem ouvir.

Apenas estes alheamentos do Universo em relação a ti é que ainda não consegui perceber, e não é por falta de eu lhe chamar a atenção, não. Também não é por falta de tempo dele, ao fim e ao cabo, ele não tem grande coisa para fazer, a máquina funciona sempre, quer ele lhe dê ou não atenção.

É evidente que ele tinha mais que tempo para tratar do teu caso, mas a verdade, tenho que o admitir, é que não quer, acho que é a maneira de se vingar de mim, ele não perdoa que eu lhe conheça as manhas e todos os truques baixos que usa, e então utiliza-te como forma de me exasperar. É isso, só pode ser isso. Começo a não saber o que fazer, ele está a pôr a minha sanidade em risco, acho que é isso que ele quer, aí eu já não poderei mais advinhar-lhe as intenções, denunciar-lhe as habilidades baratas, e todas essas coisas que fazem o espanto dos homens.

Até já lhe propus uma troca, entregar-lhe todo o meu saber cosmológico por conta de uma simples explicação de ti, mas nada, ele também não quer, acho que agora já só quer vingar-se, e vai querer que todos saibam que a minha ambição apenas me perdeu, que eu nunca devia ter tentado compreender como ele funciona, e que, quando eu estava quase lá, bastou ele estender essa pequena armadilha, que és tu, para fazer me perder para sempre.

Talvez tu pudesses ainda me salvar, se antes de ele me destruir por completo me contasses a verdade, se me explicasses os teus mistérios, se parasses com as tuas pequenas mentiras, talvez ainda desse tempo. Mas será que queres? Mas será que podes? Ele vai deixar que o faças? Tantas dúvidas e já resta tão pouco tempo.(Meu amor).

3 comentários:

  1. Caro Senhor,
    Que inveja tenho da musa que o inspirou nesta prosa. Não por ser o objecto do seu coração, pois de si nada sei, mas por ser detentora dessa fabulosa carta de amor.
    Guardava-a junto de outras que dormem amarelecidas pelo tempo, saídas de corações de quem nada sabe e tudo julga perfeito.
    Não queira saber os segredos da sua amada, pois que entediante é a vida quando tudo se adivinha e controla. Deixe-se levar por esse sofrimento delicioso e no lugar de temer perder a sanidade, goze-o, pois pior que sofrer é nada sentir...

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  2. Cara Senhora
    Pelo que vejo, largamente experiente em cartas de amor, amontoadas, amarelecidas e adormecidas!
    Apenas esse vosso prazer mórbido pelo sofrimento amoroso me escapa. É demasiadamente XIX, lembra apaixonados inúteis e tísicos, arrastando-se de olhos tristes e corações suspirantes, por quartos sombrios, salões entediados, e vidas apenas levemente imaginadas.
    A Senhora que me perdoe, mas isso de nada sentir morreu com o nascimento da sociedade de consumo, agora o impossível é não sentir. Tudo terá o seu custo, claro!, mas por outro lado há sentimentos de todos os preços, para todos os bolsos, mesmo que para tal tenha fazer mais uma pequena falcatrua, ou pedir um novo crédito.
    Por descuido meu deixei-me enredar nesta história que me vai enlouquecendo aos poucos, claro que esta nossa querida sociedade tambem para este mal tem soluções, drogas, psicólogos, psiquiatras, psicanalistas, e até acompanhantes de luxo com PHD's em Harvard e mestrados em boas maneiras e RP.
    Mas neste ponto parece-me que concordo consigo, sou mais XIX, acho que prefiro pura e simplesmente perder-me pelo mundo, nem que seja para, como Byron, morrer a lutar por uma causa tão estúpida como a independecia de uma nova Grécia qualquer.

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  3. Caro Senhor
    Experiente em cartas de amor arrumadas, não amontoadas, que muito respeito por terem vindo de amantes não correspondidos.
    Vejo que não sabe apreciar a beleza do sofrimento quando não atinge senão o coração.
    Para um consumista concordo que nada sentir é impossível, mas já lhe ocorreu que há quem saiba viver sem passar pelo dinheiro? Tristes dos pobres se assim não fosse.
    Também há quem resolva os seus problemas sem recorrer a drogas, psicólogos e acompanhantes de luxo...pesar de esse último me parecer interessante, hei-de experimentar se os meus bolsos assim o permitirem (lá está o dinheiro outra vez).
    Engraçado como uma carta de amor se transformou rápidamente na natureza de quem a escreveu.
    Acho pretensioso da sua parte pensar que o Universo se vinga de si, pois me parece que também o senhor é demasiado previsível para ele, pois tudo o que quer é continuar a tudo saber e controlar para depois se queixar que já nada tem graça.

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